17.1.14

Carta aberta para Gilberto Silva, uma história vista pelas arquibancadas

Caro Gilberto,

Tenho 31 anos, sou um atleticano na essência da palavra. Como atleticano, vivi todos os percalços que não precisam ser narrados aqui, você também os conhece (e viveu alguns).

Escrevo essa carta com o puro sentimento de gratidão.

Não tive muitos ídolos no futebol. Eu conheci a forma como as coisas são feitas nesse meio e isso me impediu, por muito tempo, de nutrir idolatria pelos grandes jogadores que passaram pelo Galo.
Admiro alguns, idolatro pouquíssimos.

Acompanhei a breve novela que foi a sua contratação junto ao América lá no começo do século (parece que faz uma eternidade que isso aconteceu). Queria muito que você fosse contratado. Eu tinha 18 anos na época, e compreendia mais o futebol pelo grito da arquibancada que pela tática dentro dele. Mas você me parecia o volante perfeito. Tinha postura, tinha velocidade, sabia passar a bola e não se afobava ao marcar os meias marrentos.

Quando você foi contratado e começou a jogar, ficou claro pra todo mundo que tínhamos acertado com o melhor primeiro volante da história recente do clube, ainda que tenha sido improvisado como zagueiro em diversas ocasiões.


Vi aquele belo time do Galo de 2001 perder uma semifinal para São Pedro, não para São Caetano, como conta a história. Sofremos juntos aquela derrota. 
Acompanhei sua primeira convocação para a seleção, assisti àquele jogo para torcer pelo Gilberto Silva, não pela Seleção. O resultado não foi dos melhores, mas me lembro de ficar satisfeito com a sua postura.

Lembro daquela desclassificação na Copa do Brasil para o Brasiliense, e nada me tira da cabeça que essa derrota e a do Campeonato Brasileiro foram daquelas para educar o atleticano.
Nosso time era bom. Foi o acaso, ou a intervenção divina, que nos tirou aqueles dois títulos. Não vamos reclamar. A história é o que é, e não adianta remoer o sofrimento.

Quando você foi convocado para a Copa de 2002, não muito tempo depois da desclassificação, eu comemorei. Como atleticano e como fã do jogador e do homem de bem que você sempre foi.

Durante a preparação, lembro de assistir, na academia, a notícia de que o Emerson havia lesionado o ombro no treino. Não falavam isso abertamente ainda, mas eu tinha certeza de que não havia outra pessoa para assumir esse lugar. Ninguém fica feliz com o infortúnio alheio, mas não posso negar que eu sorri.

A Copa, em si, é uma lembrança bonita na minha história de torcedor. Afinal, mais uma vez, eu assistia ao jogo para torcer pelo Gilberto Silva Futebol Clube. E o momento mágico dessa fase foi o gol do Fenômeno contra a Turquia, numa jogada essencialmente sua. Mágico.

Veio o título, aquela imagem histórica de você e Ronaldo beijando a taça, e em seguida a venda para o Arsenal.

Mesmo no dia em que você saiu do Galo, o meu sentimento de agradecimento era maior do que qualquer coisa. Afinal, foi com o dinheiro da sua venda que construímos aquele que é hoje um dos melhores centros de treinamento do planeta. Sempre me pergunto se você pensava nisso enquanto treinava em 2013, no Galo. Passava pela sua cabeça que era você um dos principais responsáveis pela estrutura do clube que tínhamos nos tornado?

O meu tempo como Gilberto Silva Futebol Clube não acabou. Acompanhei cada um dos seus passos no Arsenal. Vi você fazer por duas ou três vezes o melhor meio campo que já vi na vida. Na minha humilde opinião vai demorar para existir um meio campo defensivo como Gilberto e Vieira de novo na história do futebol. Quanto estilo. Vocês deveriam jogar vestidos de fraque e cartola, não de chuteira e calções.

Fiquei chateado naquela final da Champions em 2006. Depois do aperto com aquela lesão na coluna, você merecia ter levantado a taça. E perder com um gol do Beletti, seu companheiro de Galo, no último minuto de jogo. É muita maldade.

Foi nessa época que tive a chance de conhecê-lo, se é que podemos chamar essas oportunidades disso. Foram duas oportunidades rápidas. Eu trabalhando na Granja Comary no pré copa e me contendo vendo tantos gênios em campo.

Aquela era uma seleção que tinha Ronaldo, Ronaldinho, Adriano, Kaka, Robinho, Alex (ele estava nessa convocação), Juninho Pernambucano, todos no auge, isso pra ficar em quem jogava do meio pra frente. Não sai da minha cabeça os coletivos que assisti (que a névoa não atrapalhou, naturalmente), o tal Ronaldinho Gaúcho, maior do mundo na época, ia pra cima de todo mundo. Quando encarava Gilberto Silva, costumava tentar uma enfiada de bola ou um passe de lado. Nos 4 dias de Granja, não vi o Ronaldinho tentar driblá-lo nenhuma vez.

Assessor de imprensa em começo de carreira que era, precisei me segurar. Não podia sair tirando foto com todo jogador que passava. Decidi que ia fazer isso uma vez só. Já anoitecia, depois de atender toda a imprensa você dava uma entrevista para o Paulinho, seu assessor, que com a competência usual elaborava o material para disponibilizar para rádios e jornais que não tivessem jornalistas in loco. A foto que tirei com você ficou meio escura, e me arrependo todos os dias por ter usado naquela época um cabelo ridículo como aquele. Estragou a foto.

Depois disso, o Gilberto Silva Futebol Clube teve dois momentos difíceis para mim. O primeiro na Grécia, pela dificuldade em assistir aos jogos do Panathinaikos e o segundo na sua volta ao Brasil. Senti intensamente em vê-lo voltar a atuar no Brasil, mas pelo Grêmio, não pelo Galo. Eu não perdoo a nossa diretoria por não ter se empenhado em trazê-lo naquele momento. Vejo que diversos problemas que tivemos em 2011, inclusive um tal último jogo de campeonato brasileiro, teriam histórias diferentes se tivéssemos você no elenco.

Essa história pousa em 2013, no ano de dois mil e Galo. Vê-lo atuar de novo pelo meu time me enchia de satisfação. Os tempos já eram outros, eu sou um trintão, não sou mais aquele menino, mas o tempo não me desfez torcedor. Meu cartão de Galo na Veia me garantiu assistir você jogar ao longo do ano, e serei eternamente grato por esses dias (e por aquele detalhe, a taça da Libertadores).

Nós sabemos que os últimos anos da sua carreira como jogador estão aí. Eu não sei se você renovará com o Galo, se irá para outro clube, se encerrará a sua carreira. O que eu queria, ao escrever essa enorme carta, era dizer a você que nós estamos e estaremos aqui. Nós, que amamos futebol, mas que, principalmente, defendemos o bem, estamos e estaremos aqui por você.

Estivemos juntos por tantos anos, mesmo sem você saber, e estaremos para outros que vierem. O que você fez pelo Galo e pelo futebol são marcas na história, ficarão escritas e registradas. Em livro, em imagens e na internet. Mas o que você fez por mim e por diversas outras pessoas, isso fica marcado de outro jeito. Gente como você me faz acreditar que é possível ser correto em um meio corrompido. Gente como você me faz tentar ser melhor na minha profissão, mesmo que lá estejam os picaretas e os corruptos. Gente como você me faz lembrar que a nossa essência é para construir e não para destruir. Você ajudou a fazer uma geração de homens melhores (ao menos os que estavam atentos aos sinais). E por isso eu te agradeço, Gilberto.

Seja feliz. Você merece. O Gilberto Silva Futebol Clube não pendura as chuteiras, independente da sua decisão agora. Ele ficará ativo enquanto houver necessidade de plantar o bem em um mundo dúbio como o nosso.

Muito obrigado por tudo. Você é um ídolo para mim.
Alexandre Balaguer Abramo, membro fiel do Gilberto Silva Futebol Clube.

 

Um comentário:

Marcelo disse...

Alexandre,

muito bacana e pertinente as suas observações e colocações.

Abraço!

Marcelão