26.1.11

Uma nota de cinquenta reais

No último final de semana deparei-me com um sentimento estranho que me fez sentar em frente ao computador e escrever estas linhas. Na fila da Araujo Drugstore de um shopping qualquer, vi jogado naquele balcãozinho de chicletes, aquele mesmo que fica na boca do caixa só para te fazer gastar 3 reais a mais comprando uma balinha na hora de pagar a conta, uma nota de 50 reais. Ela estava ali deitada, tranquila, passando incólume pelos olhos alheios, rápidos e superficiais do dia a dia. Era uma nota não notada, digamos assim.

Ao bater os olhos nela veio o tal sentimento que me trouxe a esse texto. Primeiro uma excitação rápida: Opa, ganhei essa grana. Em seguida, ao ver uma moça que aparentemente tinha ido buscar um outro produto voltar à boca daquele caixa, a frustração: Putz, ela vai pegar minha grana. Bem, ela não pegou.

Nesse momento, em poucos instantes, eu recriava a história da identidade brasileira em minha mente.

O dinheiro não era meu, talvez fosse daquela dona, talvez não. Com toda honestidade, não sou nem nunca fui nenhum santo. Entretanto, me orgulho de ser um cara com retidão moral e ética. Fui criado para ser assim e gosto de ser assim. Não me traz sofrimento ser passado para trás quando tenho certeza de que minha ação se pauta na honestidade. Posso ser um otário, mas sou um otário que tem certeza de que ser otário é a opção mais correta.

Só que o meu impulso ao ver aquela nota de cinqüenta reais foi de tomá-la sorrateiramente e seguir em frente.

Cerca de dois minutos se passaram e o sentimento aprofundou-se. Àquela altura ainda pensava qual seria a conduta correta a seguir: cutucar a dona, perguntar se era dela aquele dinheiro? Ou pegar e usar? Ou ainda pegar e doar? Entregar o dinheiro para a caixa para quando o dono voltasse para buscar?

E o impulso de guardá-la em minha carteira?

Afinal de contas eu sou, como penso, uma pessoa boa?

Se eu fosse de fato bom estaria precisando passar por aquela reflexão? Uma pessoa realmente boa não teria o impulso de simplesmente entregar o dinheiro a alguém e seguir em frente?

Complexo, muito complexo.

Chegou minha vez, no caixa ao lado.

Paguei a compra com os meus cinqüenta reais, que ganhei trabalhando duro em Juiz de Fora, minha nova casa.

Passando ao lado da moça que escondia, mal sabia ela, cinqüenta reais em sua frente, toquei-a no ombro e disse:

_ Senhora, tem uma nota de cinqüenta reais na sua frente.

E ela:

_ Olha, é mesmo! Será que caiu da minha bolsa?

Pela resposta eu já percebi que não passava pela cabeça dela a mesma reflexão moral que passava pela minha. O dinheiro não era dela, e ela iria embolsá-lo. Olhei para o caixa e vi num panfleto a simpática baleia, símbolo de um hospital em Belo Horizonte que já me recebeu como voluntário, vestido de palhaço para alegrar as crianças com câncer lá pelos meus 17 anos.

_ Caso não seja da senhora, doe para o Hospital da Baleia.

Segui meu rumo sem olhar pra trás. Não queria ver nos olhos dela a esperteza marota do brasileiro corrente e me indignar.

A dúvida continua. Eu sou bom por natureza ou sou como qualquer espertalhão? Talvez seja um espertalhão com alguns valores incrustados na base da porrada ao longo da vida.

Uma coisa é fato, fui embora de consciência tranqüila, mas com uma pulga atrás da orelha.

Eu sou um otário. Isso já disse desde o começo. Posso ter dúvidas se sou ou não uma pessoa boa, mas isso por si só já é suficiente para ser o tipo de otário que dorme em paz todas as noites.