1.3.10

Julio e o carnaval

Este texto é uma ode aos amigos bêbados. É uma história de ficção, portanto, qualquer semelhança com a realidade terá sido mero acaso. Ninguém seria capaz de fazer tudo isso sozinho, por isso reuni tudo num personagem só. Boa diversão.

Mais uma manhã quente. Aliás, a vida de Dr. Neira é tão arrastada, que ele sente como se estivesse no calor do verão carioca 24 horas. Pela quinta vez em dois dias ele pensa que vale gastar o dinheiro para trocar o climatizador que só ventila por um ar-condicionado de verdade. O telefone toca:

_ Dr. Neira, cliente novo está aguardando.

_ Mande entrar.

Entra na sala um homem de mais ou menos 25 anos, aparentemente recatado.

_ Bom dia, você é o Julio, certo?

_ Isso.

_ Bem vindo Julio, meu nome é Dr. Neira, queria que você me dissesse o que te trouxe aqui.

_ Bem, Dr., o que me trouxe aqui, na verdade, foi a insistência dos meus amigos.

_ Taí um motivo novo. Por favor, continue.

_ Então Dr., eu sou um sujeito pacato, do bem, tranqüilo, quase todo mundo gosta de mim, mas eu tenho um problema sério.

_ Todo mundo tem.

_ Quando eu bebo, eu viro outra pessoa.

_ Alcoolismo?

_ Não, isso é o que é mais interessante. Eu não sinto vontade extrema de beber, não me embebedo rápido, nem nada. Só gosto de beber. E quando eu bebo, eu bebo muito.

_ Até ai tudo bem. Temos um problema relativamente fácil de tratar.

_ Era isso o que todo mundo pensava Dr., mas eu extrapolei todos os limites nesse carnaval, por isso meus amigos me trouxeram aqui.

_ Essa pergunta que vou lhe fazer não é profissional, ok? Interprete como curiosidade. O que diabos você fez para que seus amigos, que imagino não serem muito diferentes de você, terem te trazido aqui?

_ Bem, eu comecei bebendo a tequila do meu amigo João Claudio e a partir daí meu carnaval é uma sucessão de flashes, precisei da ajuda dos outros para remontá-lo. Pra começar, eu inaugurei o primeiro xixi de carnaval na mala do Paulo,... dentro dela.

_ No primeiro dia? Que sacanagem hein!?

_ Pior, o Paulo é o atual namorado da minha ex. Ele ficou boladasso.

_ Boladasso?

_ É, ficou puto mesmo. Mas ele não entendeu que não foi porque era a mala dele. Eu fiz xixi nela porque era a única que estava aberta. Que bêbado eu seria se fizesse xixi numa mala fechada?

_ Você tem razão. Em frente, a história é boa.

_ Dizem que ele queria me bater, mas até ai meus colegas estavam pacientes e seguraram o cara, que é novato na turma. Em seguida, eu fui para a rua e comecei a sacanear as pessoas que passavam e fiz amizade com o pessoal das barraquinhas montadas em frente à nossa casa. Ai passou um daqueles cariocas que vêem pro carnaval em Minas e ficam de sunga e tênis o carnaval inteiro, sabe?

_ Sei, tenho muita preguiça desses.

_ Eu também. Aí que o primeiro que passou eu puxei a sunga dele.

_ Você tá me sacaneando.

_ Não, to falando sério. Puxei e fiquei falando assim: Vamos ver o tamanho do peru, vamos ver o tamanho do peru!

_ Ele bateu em você.

_ Não, Dr. O senhor acredita? Ele ficou tão desesperado em segurar a sunga e fugir de mim, que
nem pensou nisso. Ai os barraqueiros de frente da casa perceberam que eu fazia mal para os negócios deles. Um hipipe que fazia umas tatuagens com tinta de jenipapo mandou eu ir embora de lá. Eu falei que não saia, que ele fosse tomar ácido pra outro lado. Então ele mandou eu ir praquele lugar e eu falei que era pra ele ficar tranqüilo, que a minha presença ali garantia vantagens pra ele.

_ Que vantagens?

_ Pois é, falei que ele podia lavar as roupas dele na nossa casa.

_ E o que os seus amigos acharam disso?

_ Em primeiro momento nada, porque não ficaram sabendo, mas quando eles viram aquela hippie gorda lavando roupa no tanque da área da casa ficaram bem putos.

_ Eles não expulsaram ela de lá?

_ Não, ela falou que o Sr. Julio tinha dado autorização. E ai os barraqueiros viraram meus amigos. Tentava conseguir clientes para eles, tomei conta da barraquinha desse hippie por 30 minutos.

_ Bêbado?

_ Completamente Dr. Aliás, ele ficou meio chateado comigo.

_ Porque?

_ Porque eu vendi uma pulseira que valia 10 reais por 1.

_ Ele mereceu.

_ Concordo.

_ Precisaram segurar ele pra ele não me bater. Mas tudo bem. Em seguida eu organizei um concurso de encher camisinha com o nariz.

_ Como assim?

_ Funciona assim, primeiro você dá uma alargada na camisinha com as mãos, depois você coloca a camisinha na cabeça até o final do nariz, acima da boca, então os competidores sopram com o nariz pra camisinha ir enchendo. O que conseguir encher mais sem estourar ganha.

_ Deus do céu.

_ É bem divertido, tirando que o lubrificante arde os olhos e a pele, além de deixar o cabelo nojento. Além disso você precisa dar sorte na hora de estourar, pra não machucar o rosto. Eu não venci. Mas fiquei com o olho e a pele ardendo.

_ Acabou?

_ Não. Meu esporte favorito era não deixar as pessoas dormirem. Isso me causou alguns transtornos. Principalmente quando eu resolvi contratar um mendigo pra acordar a galera em casa.

_ Que bêbado escroto você é hein Julio.

_ Não Dr., nessa hora eu estava sóbrio. Mas aí, no último dia deixei a galera dormir e, sorrateiramente, depois de empurrar a estante, fiz cocô na varanda.

_ Como é?

_ Isso mesmo.

_ Mas porque você empurrou a estante?

_ Pelo mesmo motivo que fiz cocô na varanda, estava bêbado.

_ Acho que foi o lugar mais estranho que eu já ouvi alguém dizer que fez cocô.

_ Na gaveta.

_ O que?

_ Teve uma vez que eu fiz cocô dentro da gaveta.

_ Você é bizarro.

_ Pois é Dr. É por isso que eu estou aqui.

_ Vem cá. Onde é que você passou carnaval?

_ Em Diamantina.

_ Você não tem nada Julio, pode ir pra casa.

_ Como assim Dr.?

_ Você passou carnaval em Diamantina, se não existissem pessoas sem noção como você o carnaval de Diamantina não existiria. Você não precisa de mim Julio, precisa de amigos novos, todo carnaval.