3.7.07

Uma reflexão sobre o ensino no Brasil

Apesar de já ter discutido isso com muita gente, pretendo trazer o assunto educação à baila aqui nos escritos do Pitacos e Relatos. Não é surpresa ou novidade pra ninguém que o Brasil não só investe pouco como investe mal em educação. E, grande parte deste problema, reside na má distribuição de recursos entre ensino básico e ensino superior.

É fácil avaliar a distorção. Um aluno do ensino público superior custa, no Brasil, cerca de 14 vezes mais caro que um aluno do ensino básico. O número já é forte o suficiente pra gente parar o texto por aqui, mas vamos lá.

Recentemente alunos da USP, descontentes com uma série de medidas do governador de São Paulo José Serra, resolveram tomar de assalto a reitoria da Universidade. Na pauta de reivindicações estava, entre melhoria de moradia estudantil, redução de preço de bandejão e autonomia para a Universidade, o aumento do número de professores por cursos. De acordo com o Ministério da Educação, a USP tem um professor para cada 15,4 alunos. Parece piada? Vai ficar pior quando eu disser que Sorbonne, na França, tem 32 professores para cada aluno.

O problema do ensino superior do Brasil não está puramente na falta de recursos, mas na péssima aplicação deles. É um problema de gestão, como grande parte das mazelas do setor público deste país. Os R$ 72 bilhões aplicados por ano em educação não são suficientes. Avalia-se que seriam necessários R$ 93 bilhões. Se pensarmos que 41% da verba aplicada em educação vai para o ensino superior, já é suficiente para pedirmos uma pausa geral para reflexões necessárias.
Na faculdade de medicina da UFMG, daqui de BH, estão sete ex-colegas meus na mesma turma. Todos fomos colegas em uma escola considerada de elite. Eu queria, de coração, saber quantos alunos de ensino público estão naquela sala. Eu sei que tem dois. Daqueles gênios que furam a dura realidade para vencerem na vida. De resto, gente de classe média, classe média alta e rica, ou muito rica. Ai eu me pergunto, ensino público gratuito porque? Se os que precisam de verdade da isenção não chegarão nem perto da aprovação?

Pois lanço a minha campanha. O governo federal dá a chance aos reitores de universidades públicas se transformarem em gestores e melhorar o perfil das escolas. Reduzam prejuízos, tornem-se independentes financeiramente (como a UNB que construiu um hotel que é responsável por quase igualar os gastos com pessoal), procurem ex-alunos que possam fazer doações, e em cinco anos me apresentem resultados. Aquelas que não conseguirem serão privatizadas e passarão a ser geridas pela iniciativa privada. Com capital misto para que mantenham preços abaixo do mercado. Pronto, está feito. É justo, justíssimo. Digo isso porque eu pago a mensalidade daqueles meus colegas mais ricos ao pagar os impostos abusivos que me cobram todo mês. Como acionista da UFMG eu cobro resultados. Resultados ou não quero mais pagar essa joça.

A Coréia fez, na década de 60, exatamente o que já deveríamos ter feito. Mudou o foco de investimento do ensino superior para o básico e manteve, com pulso firme, a política por décadas. Isso não é daquelas mágicas que se vê o resultado na hora. Serão precisos 30, 40 anos para que resultados comecem a ser enxergados, mas daí pra frente é só administrar os detalhes. O Brasil investe, proporcionalmente, em ensino público básico, menos que a Colômbia. E investe em ensino superior, também proporcionalmente, mais que a Espanha.

É hora de percebermos todos que os nossos interesses não podem estar à frente, mas juntos aos dos outros. É isso ou amargar violência, doença, fome e pobreza para sempre. Vamos botar a mão na consciência, alunos de federais, é o nosso país, não o seu curso superior que está em jogo.

12.6.07

Gol de Mão

Turma, mais um texto meu que publico na coluna Chute a Gol do ótimo e completíssimo site www.showdebola.com.br


Até que ponto uma atitude dentro de campo pode ser considerada antiética, antidesportiva, digna de repulsa ou não? Lionel Messi, meia canhoto do Barcelona, fez um gol de mão. Tão incrivelmente parecido com o de seu conterrâneo e mestre das artes da bola Maradona quanto aquele outro que fizera contra o Getafe, driblando um time inteiro e fazendo o gol. Não que eu os esteja comparando em habilidade. Messi pode até ter feito um gol parecidíssimo com o de Maradona, mas estava jogando contra o Getafe, pelo espanhol, e não na copa do mundo contra a Inglaterra.

Um gol de mão... ele é imoral? Acredito que o esporte, nos moldes em que foi concebido na Grécia antiga, que é o berço dos nossos padrões atléticos de hoje, não aceita este tipo de artifício. Como substituição à guerra, o esporte deveria ser, antes de razão para enriquecimento, consumismo e estrelato, arte em forma de competição.

Por ter sido idealizado como competição em detrimento à guerra, acredito que o esporte deveria sim ter padrões éticos mais firmes. O leitor pode tentar argumentar que os mil e quinhentos anos que nos separam dessa ideologia que proponho fizeram do esporte algo diferente. Diferente sim, mas a sua raiz se mantém. Afinal, de que vale o futebol se não como exemplo de superação e beleza? De alternativa de vida a pessoas que nada teriam caso levassem uma vida normal? A maravilha do mundo da bola está nos exemplos, nos bons exemplos.

Mas, por um acaso, as botinadas de zagueiros e as matadas de jogadas pelos volantões brucutus que faziam Telê morrer de raiva não são atitudes tão antidesportivas como um gol de mão? Na minha opinião a resposta é sim, em partes. Quando a falta é feita com o objetivo único de atingir o jogador, esquecendo-se em absoluto a bola, o valor é o mesmo. É o anti-futebol, ponto final. Atitude que deveria ser punida de maneira drástica se esperamos que nossos netos continuem praticando tal esporte. Para o futebol, a moralização de seus praticantes e do mundo que gira a sua volta é questão de sobrevivência.

Messi não nos deu um bom exemplo. Repetiu uma atitude fútil de Maradona, que tantos maus legados deixou e ainda deixa. A malandragem não substitui a hombridade. E enquanto o jogador de futebol não perceber isso, continuaremos rumo ao fundo do poço moral que há tantos anos ronda o esporte. É essa a mensagem para a posteridade que deixaremos? Futebol e seus praticantes, chamados profissionais que, em campo, refletem as atitudes dos dirigentes que reinam fora dele.

2.5.07

Um clássico com a cara da polêmica

Mais uma do www.showdebola.com.br turma... abraços


Clássico é clássico, isso não se discute. Quando rivalidades seculares entram em campo, lógica, padrão, técnica ou previsões tornam-se totalmente volúveis. No último domingo, dia 29 de abril, os mineiros tiveram a chance de assistir a um desses jogos sem padrão, que beiram o inacreditável.

Em campo, Atlético e Cruzeiro voltavam a disputar uma final de campeonato mineiro depois de quatro anos do Galo longe das partidas decisivas. Dois elencos jovens, sendo que o do Cruzeiro já com alguns jogadores mais tarimbados mesclado com algumas promessas. O do Galo é praticamente o mesmo elenco campeão da série B, formado basicamente por jogadores oriundos das categorias de base e reforçado por Coelho, lateral direito escorraçado do Corinthians por Emerson Leão.

No primeiro tempo já era possível enxergar o que viria a acontecer. Paulo Autuori montou, imbecilmente, diga-se de passagem, um time ultra ofensivo que não agredia ninguém. Dois segundos volantes saindo pro jogo e dois laterais apoiando ao mesmo tempo. O trabalho de marcação sobrava para os zagueiros. Era óbvio que, cedo ou tarde, numa fugida dos rápidos Danilinho ou Eder Luis, alguém acabaria expulso ou sairia um gol. De princípio tivemos o expulso. Gladstone, depois de fazer uma falta em que era o último homem antes do goleiro Fábio, levou o vermelho, aos 29 minutos do primeiro tempo. Autuori colocou o juvenil Simões no lugar do atacante Nenê para compor a zaga.

Esperei que Autuori fosse raciocinar direito e que voltaria para o segundo tempo com um zagueiro a mais ou um volante a mais para segurar o resultado, já que jogava por dois empates. Caso optasse por manter o esquema de jogo, imaginei que tiraria Geovani, totalmente morto em campo. Pois o homem me tirou o Felipe Gabriel, que era o único que se movimentava.

O segundo tempo foi a confirmação de um jogo contra um time ingênuo que tem um treinador ou igualmente ingênuo ou efetivamente ruim. Começou com um gol relâmpago do Atlético. Só ai Autuori finalmente colocou em campo os jogadores que deveriam ter começado jogando. O jovem atacante Guilherme e o meia Maicossuel. Mas ai já era tarde demais. Teria sido mais produtivo ter colocado em campo dezoito volantes ou vinte e sete zagueiros, já que o 1x0 não era tão mal.

Mas o Cruzeiro não mudou o jeito de jogar. E Levir Culpi agradeceu. Danilinho deu um chapéu em Fábio e marcou o segundo, depois de passe precioso de Tchô por cima da zaga celeste. O terceiro saiu de um pênalti meio esquisito e o quarto coroou um dos clássicos mais estranhos que já vi na minha vida. Na saída de bola, o ótimo Araújo deu um passe errado para trás quando o esperto Vanderlei tomou a bola e bateu para o gol, fazendo o quarto. O gol não teria nada especial não fosse por uma situação inusitada. O goleiro Fábio andava, de costas para o jogo, em direção à bola do terceiro gol, ainda no fundo das redes.

Quatro a zero. E um gol com o goleiro de costas. Parece piada. Mas eu vi, foi real.

O Atlético não só tirou a vantagem do Cruzeiro como praticamente selou o título mineiro de 2007. No Cruzeiro os irmãos Perrela querem a cabeça de tudo e todos. Acusaram os juízes de comemorarem a vitória do Galo em uma pizzaria. E o leitor precisa concordar com eles, não? Afinal de contas, comer pizza domingo à noite é coisa de gente desonesta.

Hoje, quarta feira pós feriado, acabo de receber a notícia que Fábio se machucou no segundo gol do Atlético. A assessoria do Cruzeiro anunciou que ele teve uma lesão no ligamento cruzado posterior do joelho e que ficará de quatro a seis meses parado apesar de não precisar de cirurgia. Só posso gargalhar.

Gargalhar porque nunca vi ninguém com o ligamento cruzado lesionado jogar por quinze minutos sem mancar nenhuma vez. Gargalhar porque até no final de semana ninguém tinha ouvido nada de contusão. Só pode ser piada.

Quer afastar o cara? Afasta... Mas fala porque está fazendo. Não dá pra ficar inventando desculpas esdrúxulas pra resguardar o atleta. Ou então seja mais convincente. Manda o cara fingir em algum treino. Mas desse jeito não.

Fica a lição para todas as pessoas que acompanham futebol. Os times competitivos têm ido mais longe que os times com ótimo desempenho individual. Vale aprender com eles lições sobre respeito, obediência e vontade. Pois não se surpreendam se o São Caetano for campão paulista em cima do todo poderoso Santos. Vale lembrar que só o salário do Luxemburgo pagaria toda a folha do Atlético. Definitivamente dinheiro não ganha títulos. Ajuda, mas não resolve.

Alexandre B. Abramo, jornalista, assessor de jogador de futebol, achou a cena mais engraçada dos últimos anos o goleiro cruzeirense com duas bolas de gols nas mãos.

26.4.07

Operação Hurricane

Não meu caro leitor, não vou escrever sobre a queda das máscaras de parte do judiciário carioca. Não vou falar dos milhões de reais e dólares em dinheiro e bens descobertos, fruto de mesada de bicheiros e donos de bingos para que desembargadores vendessem liminares favoráveis ao jogo. Também não vou falar dos advogados, empresários e políticos corruptos que foram complacentes. Não há análise, há tristeza misturada à revolta. Mas não é disso que vou falar. Da Operação Hurricane eu trago à baila o seguinte foco: Como diabos se escolhem os nomes das operações realizadas pela Polícia Federal?

Será que eles avaliam como vai ser e depois dão o nome? Tipo Operação Anaconda? Ou será que eles escolhem o nome apontando o dicionário? Ou então será que eles mandam o chefe responder e pronto?

Eu imagino que as operações da PF são nomeadas em uma mesa de buteco. Happy hour, a turma reunida. Eis que alguém pergunta:

Ferreira: _ E aí Nogueira, como vai chamar aquela operação que a gente vai desmantelar os figurões?

Nogueira: _ Sei lá, tô de saco cheio de pensar nisso, passo pro Marques

Ferreira: _ Responsabilidade é sua Marques

Marques: _ Tudo bem, tudo bem... O que vocês acham de operação Robin Hood?

Ferreira: _ Que idéia infeliz, Marques, a gente já teve três operações com esse nome nos últimos quatro anos, além de que fica parecendo que a gente vai roubar o dinheiro e distribuir no complexo do Alemão, aliás, falando em Alemão e o Big Bro...

Nogueira: _ Cala essa boca Ferreira, nós estamos decidindo o nome da operação mais importante dos últimos vinte anos...

Ferreira: _ Mas e aquela outra do...

Nogueira e Marques: _ Cala a boca Ferreira.

Ferreira: _ Tá bom

Nogueira: _ Bom, a gente podia chamar de operação Desmame, hahahaha

Marques: _ Hahahaha

Ferreira: _ Hahahaha, boa Nogueira...

Nogueira: _ Agora sério, podia ser um nome tipo Katrina,... Operação Katrina, por causa do furacão, lembram?

Marques: _ Gostei do Katrina, a gente ta demolindo geral mesmo...

Ferreira: _ Porque a gente não chama de operação furacão?

Marques: _ Faz sentido, mas já num teve uma dessas?

Nogueira: _ Era operação arrastão.

Marques: _ Teve aquela dos deputados, era Furacão, mas num terminou nem em ventinho.. Hahaha

Ferrreira: _ Hahahahaha

Nogueira: _ Hahahahaha

Marques: _ Tive uma idéia, como fala furacão em inglês?

Ferreira: _ Acho que é alguma coisa tipo big wind, lembra da operação wind?

Nogueira e Marques: _ Cala a Boca Ferreira

Ferreira: _ Tá bom!

Marques: _ Não, não... É tipo Wind of destruction

Nogueira: _ Isso não é o nome de um filme do Chuck Norris?

Ferreira: _ Hahahahaha

Marques: _ Hahahahaha

Nogueira: _ Hurricane

Marques: _ O que?

Nogueira: _ Furacão em inglês, é Hurricane

Marques: _ Operação Hurricane,.... O chefe vai adorar!

Nogueira: _ Vai mesmo, vai ficar sonoro na televisão...

Ferreira: _ Ainda preferia Robin Hood

Nogueira e Marques: _ Cala a boca Ferreira

27.3.07

Os mil do Baixinho

Pessoal, mais uma da minha coluna "Chute a Gol", que escrevo com peridiocidade indefinida para o site www.showdebola.com.br
Quem quiser ler mais sobre futebol é só acessar o link colunas e ir em chute a gol que tem todos os meus textos lá... abraços



Eu nunca escrevi nada sobre Romário. Não me acho à altura dele, sem trocadilhos. Mas como deixar passar toda a polêmica e o alvoroço no mundo da bola em função dos seus mil gols? Como abandonar assunto tão fértil? Será que sou capaz de abandonar o desejo de falar ao digníssimo leitor em razão de minha ideologia? Não sou. O Romário merece mais que eu, mas vou escrever assim mesmo.

É bobagem dizer que ele foi o grande do seu tempo, o rei da grande área, o gênio do chute de bico. Ele foi isso tudo e mais, muito mais. Carregou o Barcelona nas costas, foi campeão do mundo quase sozinho, voltou ao Brasil para meter gol jogando por todos os grandes do Rio (menos o Botafogo), criou polêmica ao ser cortado na Copa de 98, chorou lágrimas suspeitas para ser convocado para o mundial de 2002, pintou o Zagallo na latrina enquanto Zico segurava o papel higiênico, foi para os Estados Unidos – deitou e rolou, foi para a Austrália – nem deitou nem rolou, ameaçou jogar pelo Tupi de Juiz de Fora – foi impedido pela FIFA.

Então o baixinho declarou a luta incessante pelo milésimo gol. Gol que é contestado pelas mídias mais sérias. Ele contabiliza alguns em amistosos sem juiz, outros como infantil e juvenil... E chegou ao número 999 no último fim de semana, jogando contra o Flamengo.

Tudo bem que ele exagera na contabilidade de tentos. Tudo bem que ele já não seja mais o Romário de outrora... mas, cá ente nós, nunca vi um jogador de 41 anos fazer gols como ele. Contra o Madureira foram três, um de cabeça, inclusive. Existem pessoas que dizem que o Romário só marca gols fáceis hoje em dia. Amigão, não existe gol fácil. O futebol profissional não deixa espaço para esse tipo de coisa. Se fosse assim, pelo menos os gols fáceis o Rômulo do Cruzeiro (que eu considero bom jogador) teria feito. Ou o Amoroso não passaria tanto tempo em branco pelo Corinthians. O Romário é um gênio, e precisa ser respeitado como tal.

A Placar deste mês saiu com uma informação inédita. Se forem contados apenas jogos oficiais, Romário está a exatos três gols de passar Pelé em números absolutos. O Baixinho merece o recorde.

Longe de mim defender o comportamento de Romário fora de campo, ou valorizar sua marra e o exemplo que ele é, não só para o profissionalismo no futebol como para os jovens de forma geral, mas é hora do Brasil se dobrar e assumir: Romário marcou quase três vezes mais gols que Maradona, deu mais chapéus em dois anos que o Zidane na carreira inteira, marcou mais gols de bico que o Adriano de qualquer jeito e nunca precisou de correr muito pra isso. Ele foi único. Porque decidiu chegar até os 41 jogando, e por isso contestado, não nos cabe avaliar os últimos seis anos de sua carreira e generalizar para todo o resto. É hora de assumirmos os feitos de um dos maiores da história, possivelmente o maior que eu vi jogar. Romário é grande, baixinho, eu sei, ainda assim, mais que grande, Romário foi gigante.

Alexandre Abramo, jornalista, assessor de imprensa de jogador de futebol e se dobra à genialidade do carioca, marrento e baixinho mais bem sucedido do Brasil.

20.3.07

Mais uma metáfora da vida

Ela tinha 15 anos quando viu pela primeira vez aquele cachorrinho na rua. Tão surrado e sujo que chegava a dar dó. Os pêlos embolados do rabo, naquela mistura de vira-lata com vira-lata. Mas como era inteligente aquele cachorro! Esperava o sinal abrir, os carros pararem e atravessava na faixa de pedestres, esbanjando classe e um grau de civilidade que poucos homens ao redor demonstravam.

Ela não pôde resistir à simpatia dele e passou a dar comida a ele todos os dias. Era aquele pãozinho velho, ou uma banana já madura demais. E o cãozinho, satisfeito, lambia os beiços e, ao contrário do que ela imaginara, seguia seu caminho, com uma abanada de rabo de agradecimento e nada mais. Toda aquela educação do vira-lata cativava a menina.

Onde já se viu vira-lata que não pede mais comida?
E os anos foram passando, e aquela relação se estreitando. Era o resto do almoço ou do café da manhã, não importava, todos os dias às 11h ele aparecia na porta de casa, com aquela cara esperta e educada. E seguia seu rumo, aos afazeres de vira-latas.

Foi assim até o vigésimo primeiro ano dela. Naquele dia ele não apareceu.

Ela saía para uma entrevista de emprego. Uma realmente importante. Em uma grande empresa, um sonho para qualquer estudante. Mas ela não tinha muita certeza se era isso o que queria. Sabe aquele frio na barriga que deixa uma dúvida enorme? Se o caminho certo é esse ou aquele? Mas ela precisava tentar, tentar para não se arrepender. Até que, no caminho, ela viu o cachorrinho caído na faixa de pedestres, com a pata machucada, na rua, prestes a ser atropelado. Provavelmente já atingido por algum motorista furando sinal.

Em um momento de tristeza veio a imagem da sala de entrevistas e do possível emprego, em seguida a do cachorrinho morto, atropelado por um motorista qualquer. Viu o olhar perdido dele e lembrou daquela frase batida que sua mãe e avós repetiam. Aquela frase já surrada de tanto ser usada, mas absolutamente verdadeira, do Pequeno Príncipe: “Tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas”. Arregaçou as mangas do elegante tailler, tirou o cachorrinho da rua e o levou ao veterinário.

Foi uma decisão. Nem certa nem errada, só uma decisão. Seguir para a entrevista podia parecer tentador, mas seu coração não deixou. E ela soube, naquele momento, que não tinha feito nada errado. Era simplesmente um opção de vida.

Porque no fundo do coração, naquela parte de alma que razão nenhuma alcança, naquilo que nos faz realmente humanos, mesmo sem querer, ela sabia: A vida tinha lhe aberto uma chance. A chance de começar tudo de novo. E racionalidade nenhuma podia vencer aquele sentimento.

2.2.07

O Fazedor de Ovo Frito, um conto sobre a simplicidade

Ele era um fazedor de ovos fritos. O legítimo. Desde os quatro anos que sua mãe, irresponsavelmente, deixou-o à beira do fogão a admirar o preparo. A casca sendo quebrada, a clara e a gema caindo, o shhhhh da frigideira, o sal atirado, e o resultado, delicioso. Aos cinco já cozinhava sozinho, aos sete era especialista, aos quinze perfeccionista, aos 17 era o deus do ovo frito.

Ao quebrar a casca, fazia um movimento raro com as mãos, quase imperceptível. Normalmente preferia usar a colher para abrir o ovo, mas poderia fazê-lo em qualquer lugar. A rachadura na fina casca era perfeita, como se tivesse sido feita com régua e lápis. Separava o ovo em duas partes idênticas. Com os dedos do meio cuidava para que nenhum pedacinho sobrasse na frigideira. Deixava dourar o tempo perfeito, salpicava o sal fazendo parecer um golpe de ninjitsu, e ai virava o ovo por sete segundos. Sete segundos e nada mais. E estava pronto. O mais simples, saboroso e perfeito ovo frito.

Desprezava omeletes. Dizia que o queijo prejudicava a cor e o sabor da gema. Devia estar certo.
Decidiu abrir um restaurante aos 24. Aos 27 estava rico, tinha o melhor chef da cidade, o melhor atendimento, os pratos mais sofisticados. Porém, o mais importante da casa, e o mais pedido todas as noites era o ovo frito que preparava.

Foi então que um especialista em gastronomia de uma universidade francesa, que não era Sorbonne, veio ao seu restaurante. Pediu um ovo frito. Comeu e, um mês depois, deu quatro estrelas para aquele restaurante peculiarmente brasileiro.
Foi demais para ele. Largou o restaurante, abandonou sua casa, ignorou deveres e bens e sumiu. Dizem que faz ovos fritos para crianças mutiladas de Serra Leoa, atualmente.

Aquele era um homem de valor. Ele sabia que, por mais pomposo que parecesse o mundo, era na simplicidade que residia o grande sabor da vida. Era no detalhe. E, cá entre nós, a simplicidade é uma virtude que não pode ser medida em estrelas.

26.1.07

O sofrimento (e não tem nada a ver com futebol)

Eu nunca imaginei que pudesse sofrer assim.

Por mais que eu seja um cara das ciências humanas, que seja absolutamente voltado para as paixões e as emoções que a vida traz, a linearidade me tranqüiliza. Gosto de ter o destino em minhas mãos. Gosto de acreditar que sou dono das minhas ações e das conseqüências que elas trazem.

É como se minha vida fosse um balão cheio d’água preso por um fio de naylon. Eu seguro sempre a ponta deste fio. Por mais que o balão viaje de um lado para o outro, sei que tenho aquela pontinha sempre em minhas mãos. Por mais longe que o balão vá, eu sei que posso trazê-lo de volta.

Mas existem alguns momentos da nossa vida, quando passamos por alguma razão a dividir com outras pessoas a ponta do fio de naylon, em que as coisas deixam de estar no seu controle. Acredito que passamos este fio às mãos de nossos familiares, às vezes. Entregamos a alguns amigos, poucos, é verdade. Às vezes fazemos a loucura de entregá-lo a uma pessoa por causa de trabalho. Mas poucas vezes entregar a sua vida nas mãos de alguém é mais danoso do que quando se entrega a alguém que você ama.

Acredito que, quando damos o fio de naylon a alguma grande paixão, é quando mais nos desprendemos. É quando fechamos os olhos e nos jogamos naquele imenso abismo do tempo e da realidade. E fazendo isso, cedo, tarde ou, com sorte, nunca, aquela pessoa pode largar o fio de naylon, e aí meu amigo, é torcer para o balão não estourar quando se encontrar com o chão.

Todo mundo já teve seu momento de queda livre. Eu tive o meu. O balão não estourou, mas agora estou com medo de voltar a entregar o fio de naylon nas mãos de alguém, ao menos por enquanto.

Peço desculpas pelo desabafo, meu blog nunca foi pra isso. De todo jeito, este é um texto sincero, e acredito que só meus amigos lêem estes escritos atualmente. Gostaria que todos vocês soubessem como me sinto. E obrigado pela força de sempre.