19.12.13

O Raja Casablanca e a malvadeza dos tempos idos

Foto: globo.com
O Galo perdeu pro Raja Casa Blanca. Não era para ninguém estar surpreso. A história do Atlético está cheia de momentos como esse. A expectativa, o bom time, o jogo, a queda. A questão é que essa libertadores de 2013 havia libertado o atleticano, sem trocadilhos. A impressão é de que toda aquela malvadeza do tempo tinha finalmente abandonado a casamata alvinegra. Estávamos livres.

Mas não.

No momento do terceiro gol do Raja eu apaguei a televisão. Atleticano sofrido que sou não fui a bares ou encontros com amigos. Tenho medo. Não gosto do sentimento de me ver derrotado fora de casa. Assisto aqui, seguro, salvo (ou no Horto, onde não tenho mais medo desde que Riascos partiu pra bola...).

Voltemos ao gol, portanto. Eu apaguei a televisão. E naquele momento, o misto de indignação, tristeza e incredulidade misturou-se com algum alívio. Não é o alívio do vencedor, aquele que transborda a alma e transforma-se em alegria. É aquele alívio melancólico, do: pelo menos essa expectativa acabou.

É que pro atleticano essa expectativa tortura: “Será como era ou será como começou a ser há uns meses?”
Imediatamente saí de dois ou três grupos de whatsapp por precaução, dirigi-me àquele armário da cozinha que eu queria arrumar desde o fim da libertadores. Jurava que tinha algum bicho atrás de tudo. Tirei a terra do bonsai que repousava na área de serviço desde que Rever levantou aquela taça libertadora. Arrumei a casa, limpei a poeira da estante, serenamente, enquanto do lado de fora os foguetes dos secadores de plantão estouravam. Minha mulher olhava para mim incrédula. Levantei-me, abracei-a como há tempos não fazia.

Eu estava livre. Não é a liberdade do vencedor, mas é uma liberdade, ao menos. Minha vida, que entrara em stand by depois do jogo contra o Olimpia no Mineirão pode, finalmente, voltar a andar:

Ao menos enquanto o Galo não estiver por lá de novo, prestes a disputar o jogo da vida. Até lá eu estou livre, chateado, mas livre... até acabar janeiro.

13.9.13

A vida que reside nas entrevidas (ou um quase ensaio sobre esmagar doces)

Marido: _ Já disse que eu te amo hoje?

Momentos de silêncio.

Mulher: _ O que você fez de errado?

Marido: _ Então um marido não pode mais dizer à mulher da sua vida que a ama?

Mulher: _ Poder pode, mas acho estranho.

Marido: _ Não há motivo para você achar estranho uma declaração e a minha vontade de querer conversar com você com carinho, atenção.

Mulher: _ Não é a estranheza da conversa, mas do momento.

Marido: _ O que há de errado com o momento? São 20h de uma terça feira, o que há de errado?

Mulher: _ Errado nada, mas é estranho.

Marido: _ E por que é estranho?

Mulher: _ Porque não é usual.

Marido: _ E porque não é usual é estranho?

Mulher:  _ Não é isso que eu estou dizendo, é que você não costuma...

Marido: _ A vida das pessoas agora se resume a essas rotinas quadradas. Você não aceita que eu queira conversar e dizer que te amo porque isso não é usual?

Mulher: _ Calma, não se irrite, eu estava só tentando provar um ponto.

Marido: _ Isso é uma maldade, eu só estava...

Mulher: _ Calma, respira,... tranquilizou?

Marido: _ Tranquilizei.

Mulher: _ Agora me conta por que você queria conversar e estava dizendo que me amava.

Marido: _ Minhas vidas tinham acabado no Candy Crush.

Mulher: _ Sacana. Cachorro.


Marido: _ É aí que reside a vida contemporânea, meu amor, nesses trinta minutos entrevidas de Candy Crush... ou até alguém,.. olhaí, meu sobrinho mandou vida, daqui a pouco a gente conversa.

28.8.13

Contos/Crônicas da vida real - Rum


_ Me dá um rum!

O garçom olhou pra mim como se aquele fosse o pedido mais estapafúrdio que já houvessem feito em toda a história das pizzarias.

_ Com coca cola? Falou em seguida, com uma testa franzida.

_ Não, só o rum mesmo.

_ Mas o senhor quer o rum, com rum e só?

_ Isso, uma dose de rum.

_ Com gelo?

_ Não, amigo, só uma dose de rum em um copo.

Ele saiu, deu dois passos, parou um instante, como se fosse dar meia volta e perguntar novamente, mas seguiu seu rumo. Dois minutos depois voltou, trazia dois copos, em um a dose de rum, no outro um copo com gelo e limão:

_ Pra caso o senhor...

E emudeceu, como se dissesse, “para caso o senhor decida tornar-se minimamente normal nos próximos minutos”. Meus amigos na mesa acharam igualmente estranho. Só que traduziram isso em risos. Afinal, havia na mesa um que sempre teve especial simpatia por bandeiras piratas.

A normalidade é relativa. Ela vai até o espaço em que a minha insanidade é maior do que a sua.



25.7.13

O ateu que encontrou Deus

Não acreditava em Deus. Coisa de bobo, necessidade de dar sentido em toda e qualquer situação da vida. 

Se alguém morre, “é que Deus quis”, se alguém cura “foi Deus que fez”. E assim era, e assim viveu, até uma noite de julho. O céu nublado trazia um tom estranho para o inverno de Belo Horizonte. Nas ruas, um movimento todo em preto e branco, listrado na vertical.

O dia que não passa, a hora que não chega. O trabalho que não rende, o patrão que não entende.

No caminho da arena, carro e van, ônibus e gente a pé, numa mistura estranha e improvável de tranquilidade e leveza com engarrafamento.

O barulho da arquibancada, o soar do tambor, o grito da garganta, rasgando a alma e transformando o peito em caixa amplificada.

Passa um tempo e nada. O nosso ateu, coitado, nem à oração pode recorrer. Recorre então a São Cuca e torce pra que troque certo, pra que a luz da razão e sabedoria de Ronaldinho transforme suor em gol.

GOL. Lágrima no olho, choro contido que deságua, peito sofrido que aceita e acredita,... Ele acredita. Eu acredito, eles todos acreditavam.

Mas ai um grandalhão com jeito de gladiador arranca na corrida, dribla o duas vezes salvador, e, com o gol aberto, cai no gramado com um escorregão.

No campo o suspiro de alívio, no coração do ateu: dúvida.
Afinal, não é possível. Ou é? Faz sentido. Ou não?

GOL. Lágrimas nos olhos, choro incessante, peito aliviado de quem acredita nos pés dos homens, mas não nas mãos de Deus.

Não?

Mas um gol tão no final. Isso lá é coisa de gente?

Foi quando veio tudo na cabeça, os pênaltis não marcados, o pé esquerdo do goleiro no último minuto, no último pênalti da vida, o placar improvável que é revertido, duas vezes, os pênaltis que viram vitória, o escorregão magistral do gol que não foi.


E aquilo virou luz. O choro de vitória foi também choro de revelação. Ele existe. Deus existe. Estava em cada bola, em cada gol, em cada defesa, em cada revés. Deus existe, ele entendeu, e atleticanamente orquestrou a história para que esse fosse o mais épico, mais incrível e improvável acerto de contas que o mundo do futebol já viu.