27.3.07

Os mil do Baixinho

Pessoal, mais uma da minha coluna "Chute a Gol", que escrevo com peridiocidade indefinida para o site www.showdebola.com.br
Quem quiser ler mais sobre futebol é só acessar o link colunas e ir em chute a gol que tem todos os meus textos lá... abraços



Eu nunca escrevi nada sobre Romário. Não me acho à altura dele, sem trocadilhos. Mas como deixar passar toda a polêmica e o alvoroço no mundo da bola em função dos seus mil gols? Como abandonar assunto tão fértil? Será que sou capaz de abandonar o desejo de falar ao digníssimo leitor em razão de minha ideologia? Não sou. O Romário merece mais que eu, mas vou escrever assim mesmo.

É bobagem dizer que ele foi o grande do seu tempo, o rei da grande área, o gênio do chute de bico. Ele foi isso tudo e mais, muito mais. Carregou o Barcelona nas costas, foi campeão do mundo quase sozinho, voltou ao Brasil para meter gol jogando por todos os grandes do Rio (menos o Botafogo), criou polêmica ao ser cortado na Copa de 98, chorou lágrimas suspeitas para ser convocado para o mundial de 2002, pintou o Zagallo na latrina enquanto Zico segurava o papel higiênico, foi para os Estados Unidos – deitou e rolou, foi para a Austrália – nem deitou nem rolou, ameaçou jogar pelo Tupi de Juiz de Fora – foi impedido pela FIFA.

Então o baixinho declarou a luta incessante pelo milésimo gol. Gol que é contestado pelas mídias mais sérias. Ele contabiliza alguns em amistosos sem juiz, outros como infantil e juvenil... E chegou ao número 999 no último fim de semana, jogando contra o Flamengo.

Tudo bem que ele exagera na contabilidade de tentos. Tudo bem que ele já não seja mais o Romário de outrora... mas, cá ente nós, nunca vi um jogador de 41 anos fazer gols como ele. Contra o Madureira foram três, um de cabeça, inclusive. Existem pessoas que dizem que o Romário só marca gols fáceis hoje em dia. Amigão, não existe gol fácil. O futebol profissional não deixa espaço para esse tipo de coisa. Se fosse assim, pelo menos os gols fáceis o Rômulo do Cruzeiro (que eu considero bom jogador) teria feito. Ou o Amoroso não passaria tanto tempo em branco pelo Corinthians. O Romário é um gênio, e precisa ser respeitado como tal.

A Placar deste mês saiu com uma informação inédita. Se forem contados apenas jogos oficiais, Romário está a exatos três gols de passar Pelé em números absolutos. O Baixinho merece o recorde.

Longe de mim defender o comportamento de Romário fora de campo, ou valorizar sua marra e o exemplo que ele é, não só para o profissionalismo no futebol como para os jovens de forma geral, mas é hora do Brasil se dobrar e assumir: Romário marcou quase três vezes mais gols que Maradona, deu mais chapéus em dois anos que o Zidane na carreira inteira, marcou mais gols de bico que o Adriano de qualquer jeito e nunca precisou de correr muito pra isso. Ele foi único. Porque decidiu chegar até os 41 jogando, e por isso contestado, não nos cabe avaliar os últimos seis anos de sua carreira e generalizar para todo o resto. É hora de assumirmos os feitos de um dos maiores da história, possivelmente o maior que eu vi jogar. Romário é grande, baixinho, eu sei, ainda assim, mais que grande, Romário foi gigante.

Alexandre Abramo, jornalista, assessor de imprensa de jogador de futebol e se dobra à genialidade do carioca, marrento e baixinho mais bem sucedido do Brasil.

20.3.07

Mais uma metáfora da vida

Ela tinha 15 anos quando viu pela primeira vez aquele cachorrinho na rua. Tão surrado e sujo que chegava a dar dó. Os pêlos embolados do rabo, naquela mistura de vira-lata com vira-lata. Mas como era inteligente aquele cachorro! Esperava o sinal abrir, os carros pararem e atravessava na faixa de pedestres, esbanjando classe e um grau de civilidade que poucos homens ao redor demonstravam.

Ela não pôde resistir à simpatia dele e passou a dar comida a ele todos os dias. Era aquele pãozinho velho, ou uma banana já madura demais. E o cãozinho, satisfeito, lambia os beiços e, ao contrário do que ela imaginara, seguia seu caminho, com uma abanada de rabo de agradecimento e nada mais. Toda aquela educação do vira-lata cativava a menina.

Onde já se viu vira-lata que não pede mais comida?
E os anos foram passando, e aquela relação se estreitando. Era o resto do almoço ou do café da manhã, não importava, todos os dias às 11h ele aparecia na porta de casa, com aquela cara esperta e educada. E seguia seu rumo, aos afazeres de vira-latas.

Foi assim até o vigésimo primeiro ano dela. Naquele dia ele não apareceu.

Ela saía para uma entrevista de emprego. Uma realmente importante. Em uma grande empresa, um sonho para qualquer estudante. Mas ela não tinha muita certeza se era isso o que queria. Sabe aquele frio na barriga que deixa uma dúvida enorme? Se o caminho certo é esse ou aquele? Mas ela precisava tentar, tentar para não se arrepender. Até que, no caminho, ela viu o cachorrinho caído na faixa de pedestres, com a pata machucada, na rua, prestes a ser atropelado. Provavelmente já atingido por algum motorista furando sinal.

Em um momento de tristeza veio a imagem da sala de entrevistas e do possível emprego, em seguida a do cachorrinho morto, atropelado por um motorista qualquer. Viu o olhar perdido dele e lembrou daquela frase batida que sua mãe e avós repetiam. Aquela frase já surrada de tanto ser usada, mas absolutamente verdadeira, do Pequeno Príncipe: “Tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas”. Arregaçou as mangas do elegante tailler, tirou o cachorrinho da rua e o levou ao veterinário.

Foi uma decisão. Nem certa nem errada, só uma decisão. Seguir para a entrevista podia parecer tentador, mas seu coração não deixou. E ela soube, naquele momento, que não tinha feito nada errado. Era simplesmente um opção de vida.

Porque no fundo do coração, naquela parte de alma que razão nenhuma alcança, naquilo que nos faz realmente humanos, mesmo sem querer, ela sabia: A vida tinha lhe aberto uma chance. A chance de começar tudo de novo. E racionalidade nenhuma podia vencer aquele sentimento.